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Temos que ser todos parecidos da mesma “cor”? A animação “Alike” (Parecido) nos traz inúmeras reflexões sobre o indivíduo na sua construção de vida e formação profissional. Destacamos aqui o impacto do reconhecimento da sua subjetividade, assim como das relações, para o cuidado com a saúde mental.

Segundo a psicóloga e psicanalista Luciane Carneiro:

Vivemos em um mundo “Fast”, onde as exigências nos engolem. Onde a tristeza é medicada. Não podemos sentir dor. Não podemos desistir, mesmo quando percebemos que o que estamos fazendo não faz sentido para a gente. Temos que ter o corpo perfeito, a casa dos sonhos, o carro do ano. Temos que ser sempre potentes, ter muitos amigos, ser bons em tudo que fazemos. Sempre produzir, produzir, produzir, custe o que custar. Mas, às vezes, o preço é alto.

O impacto das relações na saúde mental

Na animação, o garoto não tinha a aprovação do pai nem da escola sobre o que gostava: violino. Um olhar de descontentamento e desaprovação ou simplesmente não considerar a realização de alguém podem ser exemplos de feedbacks mal estruturados que, no longo prazo, terão um impacto devastador.

Ouvir o rapaz tocando violino na praça era o que alegrava o dia da criança e norteava tudo o que ela fazia. O gosto da criança é rápido de ser percebido. Por isso, espera-se que a família (representada na animação exclusivamente pela figura do pai) e a escola sejam os primeiros a perceberem e agirem diante daquilo que pode ser potencializado para o desenvolvimento de uma habilidade e até transformado em uma possível carreira.

Não é o que comumente acontece, porque sabemos que os padrões de carreiras também estão enraizados nos pais e no próprio sistema de educação.

Para Carneiro:

É importante lembrar que nos constituímos através do olhar de um outro ser humano. No início do nosso desenvolvimento, são nossos pais que vão dizendo quem somos, pois não temos condições psíquicas para fazer essa discriminação. Se os pais conseguirem se conectar com seu bebê, eles poderão criar condições para que a criança desenvolva seu verdadeiro potencial; mesmo não sendo aquilo que eles esperavam encontrar. Ocorre uma dança sem muitos desencontros. Isso permite que a criança se sinta bem na própria pele. Ela encontra um olhar que respeite seu ritmo, seu tempo, seu jeito.

E nas empresas? Quais padrões ainda estão enraizados nas empresas sobre crescimento, trabalho e liderança, por exemplo?

Se analisarmos o contexto do trabalho, onde o indivíduo passa a maior parte do seu dia, a empresa tem a responsabilidade de pesquisar e reconhecer o que motiva e desmotiva o colaborador. Isso precisa ser mais rapidamente avaliado para que ações possam ser pensadas tanto de prevenção, motivação e solução em relação à saúde organizacional.  

O profissional também precisa se reconhecer nesse caminho, sobre o que o(a) motiva e  desmotiva para que melhorias possam ser construídas em conjunto. Para a CEO da A3 Consultoria, Alessandra Luzine:

a construção de carreira é uma via de mão dupla, que exige ações da empresa e do profissional.

Não é diferente com o bem-estar: há ações que competem ao profissional, assim como outras que são responsabilidades da empresa.  Ações de diagnóstico como Pesquisa de Clima, suporte a saúde mental, atualização de benefícios e formatos de trabalho personalizados à realidade dos profissionais são alguns exemplos de como a empresa pode agir.

Da animação, podemos extrair outra importante análise: o sentimento que o trabalho causa nos pais e o impacto disso nas escolhas dos filhos. Se a criança tem o costume de ver frequentemente os pais estressados e frustrados ao longo da carreira, isso será possível de ser considerado e até normalizado pelo filho(a) no processo de construção da sua.

A psicóloga e psicanalista destaca que

“o que faz a vida valer a pena ser vivida são as boas relações que vamos construindo ao longo da vida. Vamos nos alimentando dessas relações e formando uma reserva psíquica para dar conta dos momentos difíceis e termos persistência para alcançar o que tem significado para nós.”

Você se recarrega com a energia e espontaneidade das pessoas com as quais convive, e elas também se recarregam com você. Já parou para pensar qual energia (cor) está oferecendo a elas?

Reconhecer a sua subjetividade é importante para a saúde mental

Sobre a cor cinza da maioria dos personagens do desenho, Carneiro reflete:

“não temos tempo de comer pastel na feira,  jogar conversa fora, parar para contemplarmos a natureza, ouvir um violinista tocando na rua. Temos que saber de trás para a frente o alfabeto e não podemos criar, sonhar, brincar. Vamos ficando cinza.

Na animação, a cor cinza reflete o adoecimento, a tristeza e a frustração nas pessoas que não podem fazer o que querem ou gostam. Vemo-la tanto nos personagens adultos quanto crianças complementada por aspectos como postura, semblantes, olhares.

Por que adoecemos?Segundo a nossa entrevistada, adoecemos, pois não levamos em consideração o que temos de mais genuíno. Somos invadidos por expectativas que acreditamos ter que corresponder. Ficamos encarcerados  numa prisão que não nos permite ser criativos, espontâneos. Isso equivale à morte psíquica. A alma sangra. Sangra de uma forma silenciosa. 

• Quantas vezes você precisou controlar a sua essência para se adequar ao que o outro (família/trabalho/escola/faculdade) quer?

Não é uma ação definidora do adoecimento. São sequências de ações ao longo dos dias. Falta de feedbacks, vontades reprimidas, não investir em autoconhecimento, ter que se adequar a um contexto o qual você não se reconhece, tudo isso são somas de ações que levam a um adoecimento.

Em uma cena específica é possível percebermos a repressão dos sentimentos da criança representada por um falso sorriso. Quando o pai abraça mais forte, o filho, um pouco frustrado, fica feliz pelo contato físico e sente que o pai revigora, mas, mesmo sorrindo, notamos o olhar de tristeza que a criança carrega.

A partir disso, podemos destacar duas questões muito comuns da vida adulta:  

1. Associar sempre o sorriso como uma expressão de alegria ou utilizá-lo como fuga para não demonstrar os sentimentos de tristeza, raiva, insatisfação. Há uma cultura que prega a felicidade, reforçada pelas redes sociais, criando uma ilusão de que não é permitido, ou anormal, ter sentimento ruins.

2. Dificuldade de assumir sentimentos de insatisfação ou frustração para não ferir as expectativas dos mais próximos.

Na animação a maioria das pessoas são cinzas, e isso pode levar a uma falsa interpretação de que somente os artistas ou pessoas com expressões artísticas são felizes (com as suas cores).

• Por que alguém no escritório não pode estar feliz?

• Por que o seu trabalho no escritório não pode ser considerado arte já que ajuda ou transforma a vida de alguém? 

Talvez a escolha do personagem músico foi justamente para nos inspirar, pela sua coragem de escolher uma carreira não vista como padrão ou com status pela sociedade, e pensarmos nas nossas. Ou ainda para revela que quando alguém faz o que gosta, ela não só inspira a si, mas suas ações inspiram (colorem) o espaço e as pessoas onde ele atua, independentemente se você é artista ou não.

Carneiro discorre sobre os impactos de não se considerar a nossa subjetividade:

A subjetividade de cada um pode ser massacrada tamanha a cobrança para que sejamos quem não somos. E quando isso acontece, vivemos uma vida que não vale a pena ser vivida. Não nos sentimos bem na nossa pele. Sentimos um vazio. Sentimos que somos uma farsa. Tudo isso porque precisamos nos encaixar no que acreditamos ser o “padrão”. Encontramos adultos bem-sucedidos, mas muito deprimidos, em pânico por terem tido uma vida fabricada.

Conhecer a sua essência irá nortear as suas escolhas, porém não é garantia de não ter dificuldades e frustrações, mas talvez seja o motivador, a cor (e a leveza) que alegrará os dias difíceis da sua jornada.

Aceitar o destino padrão pode ser um caminho mais fácil de escolhas, mas talvez o preço seja muito mais alto no longo prazo, como vemos na animação com o adoecimento.

Evoluir de forma construtiva no processo de construção de carreira requer também força para lidar com as pressões de mercado.

Ter a coragem de aprofundar na sua subjetividade e decidir fazer o que gosta ou apoiar alguém nessa trajetória, sendo uma relação que impactará de forma positiva, nesta Semana da Saúde Mental, é a nossa mensagem especial.

Referências:

Luciane Guelli Gifford Carneiro. Psicóloga/ Psicanalista. Membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Goiânia- SBPG.

A3 Consultoria

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